domingo, 26 de dezembro de 2010

Sem primeiro

Mais que isto tento escrever sem conseguir escrever o que amo e sem dar tréguas à solidão penetrante que me enche o espírito e o cérebro e o coração e a alma e o ser, o meu ser que ainda não tive o prazer de conhecer, não sei se já o conheces, não sei se já me conheceste, sim, tu que agora estás a ler isto, volta atrás no tempo, antes de apagar o que escrevi, o que eu queria dizer é que quero saber o que me querias dizer no tempo em que ainda estava contigo sem estar contigo, quando o teu toque não me tocava, agora sou tocado por tudo e todos, e empurram-me, e ordenam-me, e eu obedeço, continuo a obedecer ao mundo que odeio, queria libertar-me do meu ódio, queria que só ficasse o meu amor, mas uma mentira não é solitária, e eu queria mentir-te muitas mentiras mais, não quero dizer-te a verdade, porque ainda não a consegui encontrar, não te deixes rir, só acompanho a música que me entra pelos ouvidos e me sai distorcida pelos dedos, porque sem a música não estava aqui, e é a música, e é tudo menos nada, e és tu, és tu em quem eu penso todos os segundos de todos os minutos de todas as horas de todos os dias, filhos de todas as noites órfãs de sol, embaladas por todas as luas, que teimo em olhar e tentar reconhecer, mesmo sabendo que as sombras prevalecem, e os demónios dominam, e as criaturas que rastejam à minha volta não têm consciência de mim, nem de ti, nem do que sinto, nem do que não sentes, porque eu acho que não sentes, nem nada nem tudo, não sentes, ou sentes e não dizes, ou não podes, isso já não sei, porque não sei o que pensas, porque não queres dizer o que pensas, e os outros, não sei onde eles entram, mas no teu mundo estão de certeza, mas também já não me importo, por alguma razão que já esqueci, e agora pergunto quem sou, sim, porque já lá chegámos, tu sabias que já lá tínhamos chegado, agora já podes abrir os olhos porque a viagem acabou, o carro parou, o motor desligou, e podemos sair daqui para algum sítio que não consigo ver mas sei que existe, e o que é que existe para além disto, ou se calhar nada existe, por isso tenho que me encontrar aqui, neste sítio, que me enche de dores, no corpo e no espírito, de subir tantas montanhas apenas para depois cair num mar vazio de esperança, nem imaginas quantos poemas estão aqui, mas não aproveito nada, porque não quero aproveitar, porque agora o momento é único e depois deixará de o ser, por isso quero continuar tudo o que não há para acabar, mesmo que sinta vertigens e arrepios, quero sentir novos sentimentos e sofrer novos sofrimentos, quero ficar dormente de tanta dor e abafar quantos gritos eu puder, até explodir e foder tudo e todos os que estão à minha volta, porque agora é a raiva que está a meu lado, e já não és tu, mas de ti não sinto raiva, só sinto raiva de todos, e todos não são tu, porque eu e tu não somos todos, quero que acredites nisso, e disso eu tenho a certeza, ou pelo menos acho que tenho a certeza, quase de certeza, muito provavelmente, ou talvez não, não, de certeza que não, mas vamos fugir daqui antes que sejamos engolidos por mim, vamos para o inferno para nos podermos beijar para sempre, sem que nos incomodem, sem que nos tenhamos que preocupar com tudo o resto, porque tudo o resto parece uma carta escrita por mim, mas daquelas que eu nunca consegui escrever, talvez porque nunca tentei, nem quero tentar, e não sei quando vou por um ponto final, mas não será em breve, porque continuo a sentir saudades tuas, que não sei o que significam, e estou a ser devorado por isso, é por isso que quero olhar-te nos olhos e segurar-te a mão, sem cometer mais nenhum erro, erros é do que a minha vida é feita, porque a minha vida é um triste erro, ou alegre, depende da perspectiva, depende do lado da porta, da puta dessa porta que não consigo abrir nem fechar, e se pelo menos eu não tivesse tanto frio, se eu não estivesse já a viver depois de morrer, talvez eu conseguisse, mas agora já não vou conseguir nada, porque é tarde demais, a luz é demasiado intensa, mal consigo chorar, mas não é justo para ti nem para mim eu continuar a morrer, deixa lá agora a vida e a morte, não penses nisso e não penses em mais nada, se eu pudesse fazia-te um inventário de todas as palavras, umas mórbidas, outras completamente amadas e adoradas, viciadas e apodrecidas, e mais um apontamento de loucura fica esquecido, pela vergonha ou pelo próprio esquecimento, que se esquece de me trazer mais uma dose de realidade, porque daqui a pouco estarei adormecido, até que algum desconhecido me acorde, já que não tenho ninguém conhecido para me acordar, ou tu ainda estás aí?